No Brasil, historicamente, o cultivo e o uso da farinha de mandioca na alimentação associam-se à cultura indígena, com registro desde o período do descobrimento, incorporados aos hábitos dos portugueses e posteriormente integrados também à alimentação dos negros escravizados, passando a compor um dos elementos de identidade da cultura alimentar brasileira.
Mesmo com a chegada da modernidade também no aspecto da gastronomia, quando a humanidade tem acesso a quase todas as matérias primas ou mesmo técnicas de extração e preparo da alimentação em qualquer parte do mundo, a farinha de mandioca não perdeu sua importância fundamental de alimento base da culinária nordestina, presente diariamente e de diversas formas como item indispensável na mesa de milhões de brasileiros de norte a sul.
DA EXTRAÇÃO À PRODUÇÃO
Desde a sua extração, a partir da mandioca, obtida após plantio em regiões produtoras do nordeste, além da maior fonte produto, o estado do Pará que é responsável por quase 22% de toda a produção brasileira, a raiz passa por diversas etapas até chegar na mesa do consumidor apresentada na forma da tradicional farinha e também farofas, que acompanham uma infinidade de pratos.
O trabalho em uma casa de farinha é basicamente o mesmo há mais de 400 anos: Quando as raízes da mandioca chegam, elas são raspadas. Depois, são picadas ou moídas. Antigamente, isso era feito na bolandeira: uma grande roda puxada por animais. Hoje em dia no entanto, a bolandeira foi trocada pelo triturador elétrico. A partir daí, a massa que sai do triturador é levada para uma prensa, que pode ser manual ou hidráulica.
Na prensagem a massa solta um líquido que contém cianeto, um veneno conhecido pelo nome de ‘manipueira’. Portanto, o descarte da manipueira deve obedecer critérios de segurança para que não polua nascentes, açudes, matagais e o próprio solo com a substância. A manipueira tem portanto o seu despojo controlado. Esse é apenas um dos desafios que devem ser vencidos pelas casas de farinha.
Após esse processo, a massa segue para um ralador ou então para um triturador de massa prensada. Depois, é levada a um forno onde se evapora o que sobrou da manipueira. Na sequência, já torrada, a farinha ganha a cor e o sabor que o consumidor tanto aprecia.
Mas, além de economicamente viável e socialmente justas, as tarefas em uma empresa desse segmento tem que ser também ambientalmente corretas. Isso porque as fábricas desse setor, conhecidas como 'Casas de farinha', encontram-se instaladas em sua maioria em zonas rurais ou bem próximas a elas, para estarem mais perto também da sua principal matéria prima: a mandioca. Nestes espaços, dezenas de pessoas tem na atividade seu sustento com dignidade, os que lhes garante sua manutenção para a realização dos seus sonhos, além de abastecerem o mercado com o produto final.
Porém, atualmente com o crescimento da concorrência em todos os mercados e o advento das tecnologias, as antigas casas de farinha, mantidas quase sempre através do trabalho familiar, deram margem a modernos espaços equipados que garantem agilidade a produção e mais segurança para os trabalhadores. Agora as novas máquinas que colaboram em todas as fases da produção, transformaram-se em valiosos colaboradores para que a farinha possa chegar mais cedo e ainda fresquinha para o consumo. A montagem e manutenção de uma estrutura destas, no entanto, não é tarefa para qualquer empresário.
Na atividade desde 2015 em pleno Agreste Meridional pernambucano, Jéssica Melo e seu marido e sócio Krause, mantém a Fábrica “Império”, na Vila Neves, município de Jucati. Trata-se de uma empresa construída com muito esforço e renúncias, mas também recheada de sonhos e esperança.
Apesar de ser um negócio rentável, com um produto de venda garantida, o casal por muitas vezes pensou em desistir da atividade, principalmente pela burocracia estadual, por fiscalizações inflexíveis e por vezes absurdas, ausência de políticas públicas claras de incentivo à produção e também pela dificuldade na obtenção de necessários aportes financeiros para modernização do seu parque industrial.
Segundo Jéssica "A aquisição de um biodigestor para processamento da manipueira, por exemplo, está nos nossos planos , para transformar aquele subproduto nocivo em fonte de energia que possa ser usado inclusive como parte do processo de redução da carga orgânica e com a produção de gás metano, que pode ser queimado, substituindo parte da lenha na secagem da farinha, reduzindo outro problema de impacto ambiental e até mesmo em fertilizante natural!"
PARCERIAS
Em contrapartida, treinamentos através do SEBRAE e incentivos como os do FNE, ofertados pelo Banco do Nordeste e outras linhas de crédito à exemplo do AgroAmigo, ligado ao PRONAF, possibilitam também aos produtores da mandioca uma boa oportunidade de investir nos seus negócios e poderem dormir mais tranquilo.
E mesmo em meio à incertezas de mercado, oscilações da safra e as dificuldades naturais do setor, a Industria Império, semelhantemente a outras indústrias do setor vem aumentando a sua produção, gerando emprego, cuidando do meio ambiente e ampliando seu mix com farofas especiais e uma logística responsável na distribuição dos produtos para a região próxima, também para as maiores praças do nordeste e até mesmo para alguns outros estados do país.
Mas, o certo é que, com responsabilidade e perseverança, criatividade e bastante esforço, paciência e muito trabalho, a farinha de mandioca, um dos produtos da culinária nordestina que talvez mais se identifiquem com o dia a dia do brasileiro, atravessa fronteiras e continua alimentando gerações, promovendo emprego e renda e ampliando a riqueza da nossa gente.
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